quinta-feira, 23 de julho de 2009

Raízes históricas das concepções sobre o fracasso escolar: o triunfo de uma classe e sua visão de mundo

De acordo com Maria Helena Souza Patto autora da obra “a Produção do Fracasso Escolar”. a grande movimentação política que caracteriza o final do século XVII e os primeiros cinqüenta anos do século seguinte tem como motor a luta dos não-dominantes na ordem feudal contra um inimigo comum. O cimento ideológico desta união de forças é a crença no surgimento de um mundo novo no qual reinarão a igualdade de oportunidades, a liberdade e a fraternidade; contra os privilégios advindos do nascimento, os decorrentes do esforço e da capacidade individuais; contra a servidão e a exploração econômica, o trabalho livre e a livre iniciativa. O saber e o poder ao Alcance de todos fazem parte do projeto social em andamento. Nesse momento no discurso dos ideólogos da revolução francesa e na visão do mundo dominante na organização social que ela consagra, a idéia de escola universal e gratuita já se encontrava presente. Inicialmente parte integrante muito mais das doutrinas filosóficas, da legislação e do privilégio de alguns, aos poucos ela vai-se tornando realidade, à medida que o desenrolar dos acontecimentos, sociais e políticos deságuam na transformação do sonho de todos em pesadelo da maioria.
A escola imposta a princípio como instrumento de unificação nacional passa a ser desejada pelas classes trabalhadoras quando de alguma forma se apercebem da desigualdade embutida na nova ordem social e tentam escapar da miséria de sua condição, pelos caminhos socialmente aceitos. A escolarização é uma das formas que estas tentativas assumem, quer como luta individual da maioria, quer como luta coletiva de uma minoria que consegue levar a compreensão da realidade social até o limite histórico de sua possibilidade.
Neste sentido, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do século XX, as pressões populares por educação desempenham um papel importante na expansão da rede escolar nos países capitalistas centrais.
As idéias dos intelectuais brasileiros a respeito das diferenças de rendimento escolar vigentes no Brasil começam a emergir num momento em que o país vivia mergulhado num colonialismo cultural que fazia de nossa cultura, segundo Cunha (1981), uma cultura reflexa da filosofia e da ciência francesas. A adesão ao anticlericalismo e ao cientificismo adquiria um novo status na visão de Poliakov (p.207). Um cientificismo ingênuo e um racismo militante são, segundo Poliakov, duas das características marcantes da época de ouro das teorias racistas. As idéias veiculadas pelos intelectuais mais destacados do século XIX continham, de alguma forma, a afirmação da desigualdade racial “no fim do século XIX a teoria ariana tinha adquirido direito de cidadania entre os sábios” como diz Poliakov (p.XVI).
Autor de uma das obras mais divulgadas no século XIX _ O ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, publicado em 1854 _ Gobineau pretendia provar a superioridade de sua genealogia, a nobreza francesa.
Partindo desse chão social e cultural, a sociologia, a antropologia e a psicologia, que se oficializaram a partir desta época, legitima a sociedade de classes e a desigualdade social que lhe é inerente. A psicologia científica nascente neste período tornou-se especialmente apta a desempenhar seu primeiro papel social: descobrir os mais e os menos aptos a trilhar “ a carreira aberta ao talento”



Como diagnosticar as aptidões dos escolares

O aumento da demanda social por escola nos países industriais capitalistas da Europa e da América e a conseqüente expansão dos sistemas nacionais de ensino trouxeram consigo dois problemas para os educadores: de um lado, a necessidade de explicar as diferenças de rendimento da clientela escolar; de outro, a de justificar o acesso desigual desta clientela aos graus escolares mais avançados. Tudo isso sem ferir o principio essencial da ideologia liberal segundo o qual o mérito pessoal é o único critério de seleção educacional e social.
Para PATTO, a explicação das dificuldades de aprendizagem escolar articulou-se na convergência de duas vertentes: da visão das ciências biológicas e da medicina do século XIX , sendo essa última a especialidade que se ocupou dos casos de dificuldade de aprendizagem escolar. As crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser designadas como anormais escolares e as causas de seu fracasso são procuradas em alguma anormalidade orgânica.
De sua raiz psicopedagógica mais tardia, plantada em laboratórios de psicologia, as explicações do rendimento escolar desigual receberam como contribuição os instrumentos de avaliação das aptidões. Medir as aptidões naturais tornara-se o grande desafio que os psicólogos se colocavam na virada do século XIX.
É neste contexto ideológico que na última década do século acima mencionado se verifica nos meios universitários de países capitalistas europeus e norte-americanos uma verdadeira cruzada em busca de instrumentos de medida das diferenças individuais. A avaliação dos “anormais escolares” tornou-se, durante os trinta primeiros anos do século XX, praticamente sinônimo de avaliação intelectual; a criança que apresentava problemas de ajustamento ou de aprendizagem escolar passou a ser classificada como criança problema.
Sabemos atualmente que desse expressivo movimento das décadas de vinte e trinta restou a prática de submeter a diagnósticos médico-psicológicos as crianças que não respondem às exigências das escolas. E os mais prováveis desses diagnósticos serão, mais uma vez, as crianças provenientes de segmentos das classes trabalhadoras dos grandes centros urbanos, que tradicionalmente integram em maior número o contingente de fracassados na escola, conforme o entendimento da autora.
Tendo em vista a recorrência de dados que apontavam os negros e os trabalhadores pobres como os detentores dos resultados mais baixos nos testes psicológicos, a explicação começa a deixar de ser racial para ser cultural. Esta versão dos fatos atingiu seu ponto mais alto nos anos sessenta, com a elaboração da chamada “teoria da carência cultural”. Nesse momento afirmações carregadas de elitismo são destaque do discurso educacional sobre os grupos raciais e sociais oprimidos. Num mundo no qual argumentos racistas podem causar constrangimento, as explicações que são atribuídas ao sucesso ou fracasso escolar estão fundamentadas nas teorias ambientalistas, que justificam o desempenho desigual entre os integrantes das classes sociais com preconceitos e estereótipos que, com uma fachada científica, passam a orientar a política educacional.
“Certos aspectos da vida social familial da classe baixa tendem a minar a autoconfiança e a segurança emocional da criança e desencorajar o desenvolvimento intelectual. Estas diferenças refletem em ajustamento emocional mais deficiente e realização escolar inferior por parte das crianças de classe baixa” (Anastasi, p.597).


A crença na incompetência das pessoas pobres é generalizada em nossa sociedade. Às vezes, nem mesmo os pesquisadores munidos de um referencial teórico estão livres dela (PATTO, 1991).
Sem levar em conta as questões da ideologia e das relações de poder, tais pesquisas confirmam aos educadores a propriedade de sua visão preconceituosa das crianças pobres e de suas famílias, impedindo-os de olhar para a escola e a sociedade em que vivem com olhos mais críticos.
Em consonância com PATTO, Marilena Chauí concluí: “um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) ... cuja função é de dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes” (Chauí, 1981ª, p.113-114).

BIBLIOGRAFIA

PATTO, A. M. S, “a Produção do Fracasso Escolar”. São Paulo, T.A. Queiroz, 1991. p. 09 a 52.

sábado, 18 de julho de 2009

A VISIBILIDADE E A INVISIBILIDADE DAS CRIANÇAS NAS RELAÇÕES COM OS ADULTOS NA CRECHE

A VISIBILIDADE E A INVISIBILIDADE DAS CRIANÇAS NAS RELAÇÕES COM OS ADULTOS NA CRECHE
Daniela Guimarães (PUC-Rio)
(danguimaraes@uol.com.br - CNPQ-FAPERJ)
Silvia Néli Falcão Barbosa (FABAT-RJ)
(silvianeli@yahoo.com.br - CNPQ-FAPERJ)

“... cada qual se compromete com as ilusões óticas de seu ponto de vista isolado”.
Walter Benjamin[1]

Quantos véus necessitamos tirar da face do ser mais próximo – que nela foram postos pelas nossas reações casuais e por nossas posições fortuitas na vida –, que nos parecia familiar, para que possamos ver-lhe a feição verdadeira e integral.
Bakhtin[2]

Muito tem sido dito sobre a possibilidade de ver. Ao trazer na epígrafe as idéias dos filósofos Walter Benjamin e Mikhail Bakhtin, ficamos avisados de que cada olhar está comprometido com um ponto de vista, com um determinado lugar. Há que se ter cuidado, pois o que vemos pode ser uma “ilusão ótica”, oriunda do lugar que ocupamos. Segundo Bakhtin (2003), o que vemos só adquire determinidade a partir da relação que estabelecemos com o outro. A visão está comprometida pelos julgamentos que fazemos desse outro a partir do lugar que estamos. Por conta disso, conhecer o outro e ter com ele uma relação, envolve a mistura, identificação, trazê-lo para nossos referenciais, para, em seguida, produzir distanciamento, tendo em vista reconhecer sua singularidade, suas particularidades. Este movimento de identificação/distanciamento é o que Bakhtin (2003) chama de uma experiência de exotopia.
A exotopia exige um exercício de descentramento da nossa visão aparentemente acabada sobre o outro. Cientes deste desafio, nos aventuramos a falar da visibilidade e da invisibilidade das crianças nas relações com os adultos na creche. Parece que quando os adultos se relacionam com as crianças, tendem a determinar os sentidos das ações delas, antecipando movimentos, nomeando atos e sensações, num movimento de “atropelamento” dos sentidos das próprias crianças. Nesse contexto, as iniciativas delas ficam invisíveis. Ao mesmo tempo, quando se colocam “de fora” da relação, os adultos podem ver as crianças como outros, observando os seus sentidos na realidade que compartilham. Assim, as crianças vão se tornando visíveis.
Hoje, entendemos ser crucial discutir essas relações, levando em consideração que a creche encontra-se num lugar de destaque, seja pela inserção no sistema educacional, a partir da Constituição de 1988 e da LDB de 1996, seja por sua inclusão no FUNDEB. A visibilidade/invisibilidade das crianças tem a ver tanto com a construção histórica do discurso que se faz sobre a infância e com as políticas para ela direcionadas, quanto com as interações que acontecem no cotidiano das creches. A dimensão macro-social e histórica relaciona-se estreitamente com a dimensão micro-social.
Enquanto primeira etapa da Educação Básica, a creche hoje é um direito das crianças, evidenciando-se a obrigação do Estado em atender a essa demanda. Com uma história ligada à área da Assistência, essa nova ordenação legal traz a creche para a área da Educação, que tem hoje o desafio de pensar que práticas são pertinentes a esse segmento, tendo em vista a sua função diferenciada e complementar à ação da família, assumindo a indissociabilidade entre o cuidado e a educação. Essa mudança evidencia o potencial educacional das creches, ao mesmo tempo em que valoriza o cuidado como algo intrinsecamente ligado às propostas do trabalho com a criança pequena.
Na intenção de ampliar a discussão desse lugar que a creche ocupa hoje, trazemos para este texto o resultado parcial de uma pesquisa interinstitucional, produzida pelo Grupo de Pesquisas sobre Infância, Formação e Cultura (INFOC). A pesquisa – Criança e adultos em diferentes contextos: a infância, a cultura contemporânea e a educação – buscou identificar e analisar as práticas institucionais e as interações entre crianças e adultos que acontecem em instituições que atendem a criança de 0 a 6 anos. Foram observadas, inicialmente, vinte instituições, dentre elas, creches, escolas exclusivas de Educação Infantil e escolas de ensino fundamental onde há turmas de Educação Infantil.
Neste texto, nosso foco é estudar as interações que acontecem na creche, e como essas interações abrem espaço para que as manifestações das crianças sejam vistas, ou não. Em primeiro lugar, analisamos como a criança ganha visibilidade no percurso histórico. Em segundo, apresentamos algumas reflexões sobre a possibilidade de vê-la como outro. Em terceiro lugar, apresentamos o estudo realizado em duas das cinco creches pesquisadas. Os eventos que trazemos para análise são de observações realizadas nos anos de 2005 e 2006.

1 - O enigma da visibilidade

Quando falamos das iniciativas e discussões sobre o trabalho com a criança pequena no Brasil vivemos um paradoxo. Por um lado, há um percurso histórico que perfaz um caminho de mais de um século de iniciativas, inicialmente de cunho assistencialita (Kuhlmann, 1991). No entanto, parece também que nos aproximamos de algo recente. Se pensarmos especificamente na creche, como direito, ela está completando vinte anos, e enquanto prática, que leva em conta o cotidiano como espaço de interação singular entre a criança e seus pares, estamos engatinhando. Por isso este texto se alia à possibilidade de pensar a criança como um outro a ser visto em suas potencialidades, e não apenas conhecido pelas suas características e necessidades.
Olhar a criança como um outro implica estabelecer um diálogo com ela. Entretanto, segundo Benjamin (2000, p. 23), “a liberdade do diálogo está se perdendo”. Os seres humanos conversam sobre superficialidades, mas o que realmente diz respeito aos sujeitos concretos, suas preocupações e necessidades ficam em segundo plano. Cada um fica comprometido apenas com as “ilusões óticas de seu próprio ponto de vista” (p.24), encurralado em seu próprio mundo, perde “o olhar para o contorno da pessoa humana” (idem). Por isso, ver a infância hoje requer o resgate desse percurso, para que o olhar ganhe densidade por considerar o outro no seu processo histórico.
As práticas que constituem a creche são oriundas de iniciativas médicas, sanitaristas e filantrópicas, enfatizando o cuidado às crianças como proteção e prevenção. Somando-se a isso, especialmente numa perspectiva desenvolvimentista, temos o discurso da Psicologia – que focaliza a criança, em geral, pelo que lhe falta, ou pelo que está por se completar – com forte influência sobre as práticas na creche e sobre as concepções de criança e infância. Essa origem estabelece um paradigma de atendimento centrado numa visão de quem supre, sejam as suas necessidades de cuidado seja a formação da racionalidade e de hábitos que lhes serão úteis mais tarde, na pré-escola ou na escola. Enquanto provedora, essa visão também dá à creche um lugar de substituta da família, ao se responsabilizar por completar esse “ser em falta”. A criança é colocada no lugar de alguém que será formado a partir das ações dos adultos sobre ela, numa perspectiva de controle. Pode-se dizer como entende Foucault (1979), que o atendimento à criança pequena, então, tem se caracterizado pela ação dos adultos sobre as ações das crianças, como algo que está à serviço das práticas pedagógicas. Como diz Larrosa (2003, p. 184), “a infância é algo que nossos saberes, nossas práticas e nossas instituições já capturaram: algo que podemos explicar, nomear, algo sobre o qual podemos intervir, algo que podemos acolher”.
Se, por um lado, assumiu-se esse lugar do controle, por outro, nesse percurso de construção das suas especificidades o atendimento à criança pequena caracterizou-se por uma polarização entre a assistência e a educação. Polarização essa que vem sendo amplamente discutida na última década, e que aponta para a necessidade de uma visão integrada entre a necessidade de acolher a criança e de participar do seu processo educativo (Campos, 1994; Kuhlmann, 1999; Kramer, 2003; Tiriba, 2005; Guimarães, 2006).
Vivemos hoje essa tensão: encontrar o que é específico da creche, sem desconsiderar sua história, levando em consideração que não mais podemos ter o mesmo olhar para a criança. Então, o que nos instiga? Pensar o cotidiano levando em conta a criança como aquela que desafia o controle. Pensar o cotidiano como espaço de integração entre as ações de cuidar e educar.
Como exposto em Guimarães (2006), trata-se de considerar o espaço da creche como possibilidade de “formação da identidade, a constituição do eu no contato com o social”, entendendo que “o conhecimento de mundo acontece implicado com o conhecimento de si”. Então, o que é específico em toda instituição educativa, em particular na creche, é uma prática ligada à “qualidade dos relacionamentos, o olho no olho, a resposta aos gestos comunicativos da criança, a confirmação de seu lugar como sujeito social” (p. 2).
Como mudar o paradigma? Como fazer não só da creche, mas da Educação Infantil, um lugar de afirmação do tempo da infância? Como assumir o pedagógico na educação infantil a partir da interação, da troca de experiências e partilha de significados enquanto possibilidade de construção de conhecimento pela criança? (Machado, 1996)
Assumir a criança como outro é um desafio. Segundo Larrosa (2003), trata-se de um outro sobre o qual sabemos muito, mas ao mesmo tempo “algo absolutamente novo que dissolve a solidez do nosso mundo e que suspende a certeza que nós temos de nós próprios” ( p. 187). Por isso, o autor propõe desfazer uma imagem da infância que fica escondida em nossa retina, a partir de um olhar preconceituoso e acabado, para construir uma “imagem do encontro com a infância”, na medida em que o encontro se dá com o “sujeito da experiência”. (p. 197). Para Larrosa, podemos olhar a relação entre adultos e crianças a partir de três posicionamentos que, na nossa visão, podem também relacionar-se com a forma através da qual a criança é considerada quando se travam relações entre adultos e criança, como acontece no cotidiano da creche.
O primeiro deles é o lugar de sujeito do reconhecimento. Isso acontece quando vemos no outro aquilo que sabemos, o que vem dos saberes constituídos e dominantes, como aqueles construídos pela Psicologia, pela mídia, pela educação. Assim, o adulto olha a criança a partir do “que quer, do que sabe, do que imagina, do que necessita, do que deseja e do que espera” (p197). Não sobra espaço para o que a criança é de fato, ali, no “cara a cara”. O segundo é o lugar do sujeito da apropriação: não há espaço nem para o reconhecimento, pois o adulto simplesmente “converte o outro criança em algo à sua medida” (p.197). Em terceiro, Larrosa apresenta o lugar do sujeito da experiência: acontece no encontro, no cara a cara com o outro que não pode ser reconhecido nem apropriado. Trata-se de poder experimentar a transformação do que não está posto, mas ainda é desconhecido, ou seja, um encontro que não está definido à priori, mas a partir da possibilidade de uma realidade mútua, compartilhada. O encontro com o sujeito da experiência transcende ao que se pensa conhecer dele, como nas palavras de Clarice Lispector:

Como conhecer jamais o menino? Para conhecê-lo tenho que esperar que ele se deteriore, e só então ele estará ao meu alcance. Lá está ele, um ponto no infinito. Ninguém conhecerá o hoje dele. Nem ele próprio. Quanto a mim, olho e é inútil: não consigo entender coisa apenas atual, o totalmente atual. O que conheço dele é a sua situação.
Lispector (1998, p. 36)


O enigma da visibilidade estaria aí? Não vemos a criança porque o que vemos é uma criança idealizada por tantos e tantos discursos e olhares sem que, no entanto, vejamos essa criança que está diante de nós? O impulso pelo reconhecimento das crianças a partir dos saberes legitimados, o movimento de apropriarmo-nos delas, obscurece a possibilidade de nos encontrarmos com elas, de fato?
Ou então, não nos vemos a nós mesmos, tragados pela descaracterização da própria experiência num cotidiano onde não há espaço para a visibilidade, de um modo mais amplo? Ver o outro implica em que nos vejamos a nós mesmos. O distanciamento que permite conhecer e perspectivar o outro, é que permite que também nos vejamos. Assim, podemos dizer que o desafio do educador e da educação é ampliar esses espaços de visão: do profissional sobre si para, ao mesmo tempo, ver a criança em sua singularidade.
Benjamin (1987) aponta como risco da sociedade moderna, a perda da capacidade de narrar, o que leva ao empobrecimento da experiência, restando apenas a vivência: uma mera reação aos choques do cotidiano onde a ação se esgota no aqui e agora. Como ver a criança sem investir tempo em narrar o cotidiano, suas interações e modos de agir? Como expandir o olhar se cada ação se extingue nela mesma? A possibilidade de partilhar sorrisos, sentimentos, medos, descobertas, muitas vezes, não encontra eco no olhar do adulto.
Sob este prisma, é essencial qualificar a experiência de cada um e de todos. O professor, preso ao sujeito do reconhecimento ou da apropriação não vê a criança. E, como poeticamente descreve Osteto (2004, p. 11) as crianças são “novidadeiras, no experimentar elas vão, entre alegrias e tristezas, conhecendo o mundo sem pedir licença”. Para a autora, o professor que está colado na literalidade, na norma, não pode ver a criança na sua poesia e na sua forma metafórica de significar o mundo. Por isso, é preciso olhar para além da rotina mecanizada e da atividade dirigida, para além do “reconhecimento” e da “apropriação”. Osteto (Idem) entende que na impossibilidade do professor ver a criança e suas diferentes expressões está implícita uma interdição do próprio professor na sua ação de sonhar, se expressar, criar.
Neste sentido, Kramer (2003) defende uma formação do professor que leve em consideração a cultura enquanto possibilidade de “inquietar o olhar e criar situações de aprendizado cultural, político, ético e estético” (p.100). A autora entende que não podemos abrir mão de uma formação cultural para os profissionais que trabalham com a infância. Ao pensar na experiência de cultura como alternativa de formação, evoca-se o encontro com a poesia, com a arte, com a possibilidade de se inquietar, de provocar a reflexão para além do momento em que acontece. Então, no encontro com o cinema, com a música, com as obras de arte, com a literatura, ao abrir espaço para a transcendência do seu próprio olhar sobre si mesmo e o mundo que o cerca, o professor ou o adulto que trabalha com a criança estaria mais sensível a entrar em contato com a criança enquanto “sujeito da experiência”, porque ele mesmo estaria mergulhando em experiências, de fato.
A possibilidade do “sujeito de experiência” também entra em sintonia com a perspectiva da alteridade de Bakhtin (2003). Trata-se de focalizar a criança como aquela que altera, surpreende, desinstala as convicções dos adultos. Isso só acontece num plano dialógico, onde se instala a troca como possibilidade de trabalho com os pequenos.
Neste sentido, a escuta assume um lugar prioritário. Escuta no sentido de dar visibilidade às crianças e às manifestações de suas linguagens (Guimarães, 2004). A visibilidade implica uma realidade compartilhada, onde a criança pode se colocar de modo criativo, intervindo e transformando o mundo à sua volta.
Estas reflexões nos colocam diante de duas possibilidades: por um lado, uma prática centrada apenas nas definições dos adultos e por outro, uma ação compartilhada, onde o lugar ativo e interativo da criança, onde sua presença, sua palavra é considerada. Isto implica em um planejamento das práticas cotidianas que tenha sua origem na observação das manifestações infantis (Guimarães, 2004).
Esse movimento alimenta também nossas indagações de pesquisadoras no contato com as crianças pequenas: quais os espaços de escuta e diálogo na creche? Como a criança altera e vive experiências com o educador?

2 - As creches pesquisadas e a metodologia

A elaboração deste texto se dá num momento da pesquisa em que o trabalho de campo já terminou e buscamos um aprofundamento teórico, partindo da análise dos cadernos de campo.
Apresentamos a seguir, em linhas gerais, as duas creches que focalizamos neste estudo e os princípios metodológicos que orientaram nossa participação neste campo.
Das cinco creches observadas ao longo de 2005, três públicas e duas comunitárias (C11, C12, C13, C21 e C22), escolhemos duas das creches públicas para continuar o processo de observação em 2006, levando em conta os pontos mais significativos apresentados nas observações em cada instituição. Neste momento, trazemos aspectos destas duas creches (C11 e C13) para a análise da visibilidade/invisibilidade das crianças na relação com os adultos.
A clientela das duas creches que focalizaremos aqui (C11 e C13) é de crianças da própria comunidade, bem como todos os funcionários, com exceção da diretora e professora articuladora. Estas duas estão ligadas à Secretaria Municipal de Educação e os demais funcionários são contratados a partir de OSCs (Organização da Sociedade Civíl), no entorno da própria creche.
A C11 está localizada em uma comunidade carente e próxima a uma região de risco, influenciando inclusive o funcionamento da creche que, em dias de confronto entre os morros, tem uma freqüência muito baixa ou até fica impedida de funcionar. Os pais têm em média apenas a formação do Ensino Fundamental, trabalhando em profissões subalternas (ajudante de caminhão, camelô, ajudante de xerox, serviços gerais, domésticas, bombeiro hidráulico, manicura etc), sendo que trinta por cento das mães dizem ser “do lar”. Algumas crianças lidam com o fato de terem os pais presidiários. No momento em o trabalho de campo foi realizado a creche atendia a 135 crianças, organizadas em seis turmas. Uma turma de berçário I (com bebês de 0 a 11 meses) e outra de berçário II (com crianças de 1 ano até 2 anos), com 20 crianças cada; duas turmas de maternal I (com crianças de 2 e 3 anos) e duas turmas de maternal II (com crianças de 3 e 4 anos), atendendo entre 23 e 25 crianças por turma.
A creche C13 localiza-se numa favela horizontal na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de uma localidade pobre, mas reconhecida pela ausência do tráfico e da violência. Em geral, os moradores são imigrantes nordestinos e trabalham em posições subalternas na zona oeste e sul da cidade (porteiros, garçons, atendentes, domésticas, etc). Na ocasião desse estudo, a creche atendia 150 crianças, organizadas em seis turmas. O berçário I, com bebês de 0 meses até 11 meses; o Berçário II com crianças de 1 ano até 2 anos; duas turmas de Maternal I, com crianças de 2 e 3 anos e duas turmas de Maternal II com crianças de 3 a 4 anos. Cada um desses grupos era composto por uma média de 25 crianças, com dois adultos sempre presentes (caso dos berçários) e um adulto, caso dos maternais. No berçário (principalmente no Berçário I), nos momentos de banho e alimentação, havia outros adultos presentes.
As profissionais que trabalham com as crianças nas duas creches são contratadas como recreadoras. Na C11, todas têm o curso normal. Na C13, a maioria tem o curso normal. As creches lidam com a instabilidade da permanência dos profissionais por conta dos baixos salários (no momento da pesquisa as professoras recebiam R$ 323,00 bruto, por uma jornada de 6 horas).
Nesses contextos, várias questões nos inquietaram. Dentre elas, uma ganhou destaque: como as crianças ganham visibilidade diante do olhar do adulto e como isso interfere no cotidiano.
No que diz respeito aos princípios metodológicos, os pressupostos da Antropologia, na trilha do trabalho etnográfico, guiavam-nos. Buscávamos fazer descrições densas das situações. Ver, ouvir e escrever eram ações organizadoras do campo. Familiaridade e distância colocavam-se como movimentos complementares na construção de sentido sobre o que víamos e vivíamos. (Geertz, 1989; Oliveira, 1996 e Dauster, 2003)
O conceito de exotopia de Bakhtin (1992) foi referencial norteador. Era necessária certa “mistura” com as crianças, ou seja, a identificação com o que experimentávamos no campo, mas, em seguida, era preciso olhar de fora, exotopicamente, para dar inteligibilidade à experiência. Na verdade, a exotopia era um princípio que nos orientava no campo, como pesquisadoras, e também nos ajudava a refletir sobre as relações entre os adultos e as crianças nas creches.
A questão que se coloca na pesquisa (e no cotidiano da instituição) é viver a alteridade da criança, perguntando: o quê nela nos altera, surpreende, desinstala? Como essa relação nos empurra para outro lugar? Por outro lado, não é possível fechar os olhos para a possibilidade da tradução e construção de sentidos por parte do pesquisador e do educador nestes contatos cotidianos (Guimarães, 2008).

3 - A criança em suas interações na creche: entre a invisibilidade e a visibilidade.

Uma das questões que mais nos chamou a atenção nas observações foi a invisibilidade que, muitas vezes, percebíamos em relação às crianças. Por outro lado, em quais momentos observamos movimentos contrários? Havia situações em que as crianças eram protagonistas, ou que suas iniciativas de comunicação tornavam-se visíveis? Qual o lugar que ocupavam os adultos?

Invisibilidade: a distância entre o adulto e a criança

Em muitos momentos do dia a dia, as crianças ocupam um lugar de invisibilidade, porque os sentidos que constituem na relação com o ambiente e atividades preparados pelos adultos ficam obscurecidos.
Numa cena da C13, no grupo de crianças entre 1 e 2 anos:

“Um das educadoras está sentada numa das mesas, fazendo um desenho numas folhas de papel, enquanto a outra vai distribuindo o papel já desenhado. Vejo que o desenho é de um coração. Dizem: "vamos pintar? Quem vai pintar bem bonito?" "Filipe..." " Guilherme...", elas vão nomeando as crianças e colocando-as na mesa, de duas em duas. Depois dizem: " a tia está fazendo um coração; vamos pintar de vermelho; é o coração do papai ou da mamãe?" Balbucios como resposta, sem uma articulação clara. Elas continuam: " é da mamãe, amanhã é o dia da mulher, da mamãe" (...)
Depois de alguns minutos, as crianças começam a se mexer, sair do lugar, cada uma fica com o papel alguns segundos em frente de si, rabisca nele e a educadora pega de volta. Os traços das crianças vão ocupando o papel, a despeito do coração ali desenhado.
Então, as educadoras sentam, uma em cada mesa, para pintar a mão deles de vermelho e marcar no papel do coração, já com os rabiscos. Cada criança que marca a sua mão fica muito atenta, olhar curioso, olhar que busca entender. As educadoras exclamam: " que lindo!"
As mãos das crianças que descem do colo delas vão para os armários, numa exploração que é logo nomeada pelos adultos: "ih que feio!"; " sujou o armário e ficou feio" (C13 – 07.03.06).

O que brota da expressão curiosa e da exploração das crianças a partir do material oferecido não fica só invisível, mas é nomeado como “que feio”. Parece que os adultos se envolvem na atividade que já tem um ponto de chegada pré-fixado. Estão focadas no produto; então, não se envolvem com os processos, a dimensão imediata e atual das ações das crianças.
De fato, como já evidenciado em Guimarães (2008), o “trabalhinho” se coloca como a atividade que “o adulto propõe à criança, encaminhando a postura correta de sua execução, a disposição corporal adequada, certa conduta: fazer pinturas, preencher o papel com a tinta adequadamente, fazer colagens, colocar objetos dentro e fora de recipientes, repetir gestos iniciados e provocados pelos eles” (p.164). É uma forma dos adultos reconhecerem a legitimidade do seu trabalho educacional; no entanto, muitas vezes, trata-se de prática excessivamente instrucional, onde o sentido dos adultos invade toda a cena.
Outro evento, ainda na C13:
“Observo o episódio de interação de Débora, Cristina e Adrian no jacaré em forma de gangorra. As crianças estão tentando empurrá-lo pra baixo, estão testando o movimento de vai e vem com suas mãos no banco e no "guidon"; até que um dos adultos vê a cena e vai logo até lá colocá-los sentados no brinquedo, como tradicionalmente é usado”. (C13 – 02.05.06)

Ao observarmos este evento, perguntamo-nos: será que era esse o propósito das crianças? Entre a ação das crianças livremente e a intervenção das educadoras, fica a questão: orientar as crianças no uso do objeto é papel dos adultos, mas quando isto predomina, parece certo "atropelo".
A identidade das crianças se forma nas experiências que o contexto permite que tenham de si mesmas. Estas experiências possibilitam e limitam; o lado de fora (o solário) abre espaço de contato (com o sol, com os brinquedos, com o corpo no chão...). As ações dos adultos ao nomear e conduzir as ações das crianças dão suporte a elas, permitem que se reconheçam, mas também limitam possibilidades.
Neste sentido, é importante atenção do adulto/educador sobre si, tendo em vista equilibrar momentos de inscrição cultural, transmissão de técnicas (como comer, dormir, andar, etc) e momentos de contemplação ativa das crianças, observação e registro de como elas se apropriam da realidade apresentada por eles, como constituem sentidos (Guimarães, 2008).
Chama a atenção também que as educadoras falam em primeira pessoa, como se fossem as crianças, em muitas cenas. Por exemplo, se o almoço está demorando, dizem “cadê meu papá? Quero o meu papá tia!”. Se a criança está chorando dizem “cadê a minha mãe?”; “ei mamãe”. Neste último caso, há um agravante; não se referem às mães das crianças, mas a elas mesmas. É comum chamarem-se de mãe. Cada uma tem um ou mais “filhos” na creche.
Essa parece ser mais uma forma de não dar visibilidade à singularidade das crianças, misturando-se com elas, não discriminando os espaços e tipos de relação, tornando o laço afetivo forte que constroem num lugar profissional, do mesmo modo que o laço familiar.
Nesses primeiros eventos destacados, há uma interação dos adultos com aquilo que eles esperam da criança (que preencha o papel no trabalhinho, que “use corretamente” a gangorra, por exemplo), mas observamos também situações em que, mesmo tentando se comunicar, a criança fica invisível, como na C11, na cena que se segue.

Marcos, em pé, diz: “cococo, cococo” (ele está incomodado porque fez coco e tenta avisar a alguém). A recreadora, Davina, não presta atenção e apenas pega a mão de Marcos e o leva até a mesa, como está fazendo com as outras crianças que acordam, na espera do jantar.
Marcos não senta, fica em pé, repetindo, meio choroso: “cococo, cococo”. Eu falo de longe, franzindo o nariz e sussurrando: “você fez coco?”. Marcos para de choramingar e fica me olhando. Ele começa uma tentativa de tirar a calça junto com a fralda, mas não consegue e fica com parte das nádegas aparecendo. Depois vai até a recreadora e fala novamente. Ela olha, mas não presta atenção suficiente para entender o que Marcos está falando. Sandra e Levi estão disputando um brinquedo e a outra recreadora, Rosana, intervém dizendo que não é para brigar, mas para se abraçar, ser amigo. Marcos vai abraçar Sandra também. A recreadora, Davina, então, olha para a calça do Marcos e acha graça. “Olha só a calça do Marcos!” Falando para a Rosana. Marcos se volta e fala novamente: “cococo”. Davina fala para a outra, sem se dirigir ao Marcos, “ah, eu acho que ele está assim porque fez coco”. Ela vai olhar e confirma que Marcos fez coco e vai trocar o menino. (C11 – 12.06.06)

Nesta situação, percebemos a desconsideração do outro-criança como alguém que é capaz de narrar algo sobre si mesmo. Será esta a condição de Marcos? Chama a atenção que, mesmo quando olha para o menino, a recreadora ignora o que ele diz sobre si.
Para Bakhtin (2002), a linguagem é condição fundante do processo de constituição do sujeito. Nas interações sociais, linguagem e sujeito se constituem mutuamente. Na cena acima, Marcos demonstra que já sabe muitas coisas: explicitar que fez coco, a quem dirigir-se para que sua situação seja resolvida, explicitar seu incômodo e, principalmente, usa a linguagem para enunciar esse acontecimento. O tempo todo ele está se dirigindo à recreadora. Pensando a partir de Bakhtin, podemos afirmar que Marcos tem um auditório social, no entanto, nesse momento não se coloca uma contrapalavra no contato com ele. A sua palavra não é reconhecida e reverberada no olhar e na palavra do outro. Há limites para uma relação dialógica. Para Bakhtin, o significado não está propriamente nas palavras ditas, mas na interação que se estabelece entre os falantes. Desconsiderar a palavra do outro deixa esse outro num lugar de invisibilidade.
Na cena que se segue, sem o olhar atento do adulto, o que a criança faz “se perde”.

Ingrid está almoçando. De repente, fecha os olhos e começa a comer de olhos fechados. Ela primeiro deita a cabeça na mesa e depois levanta devagar com os olhos fechados. Vai tateando com a colher numa mão e com a outra mão ajeitando a comida na colher, sem abrir os olhos. Leva a comida até à boca, ainda tateando e começa a mastigar. Quando engole, dá um sorriso e abre os olhos bem feliz. Por duas vezes pega o frango com a mão, nesse movimento de comer de olhos fechados. Fátima, a recreadora repreende a menina por colocar a mão na comida, mas não vê o sentido do movimento da menina (C11 – 21.06.06)

Ingrid está envolvida com a descoberta de “ver” o mundo com os olhos fechados. Ela explora o desconhecido, o que não está posto, transformando a sua realidade. Ela inventa, constrói enredos, expressa conhecimentos de mundo e reinventa a rotina. Como diz Osteto (2004), faz poesia! Por que a professora não vê? Estava presa na norma, na literalidade, onde não há lugar para a invenção, para a experiência. Quanta coisa acontece que passa despercebida.
Para o que realmente a recreadora está olhando? Como é difícil ver o movimento da criança! Como aguçar o olhar do professor? Como mostrar para ele que coisas tão ricas estão acontecendo? Como ajudá-lo a perceber que ali há um sujeito pequeno que é capaz de significar o mundo a sua volta?

Visibilidade: escuta e valorização das iniciativas das crianças

Para Bakhtin (2003, p. 373), “tudo o que me diz respeito, a começar pelo meu nome, chega do mundo exterior à minha consciência pela boca dos outros”. Esse lugar no mundo me é dado através dos outros, a partir do que tomo consciência de mim. Isto implica dizer que as interações cotidianas na creche são fundamentais na constituição da subjetividade das crianças.
Na C11, de modo geral, todos se conhecem pelo nome. Tanto as crianças quanto os adultos se reconhecem pelos seus nomes e, em muitos momentos, as crianças se tornam visíveis por este reconhecimento que se soma ao diálogo que é estabelecido com os seus movimentos.

Numa das turmas de crianças de dois anos, cada uma que chega é recebida com uma atenção individualizada: um bom dia, um beijo e uma atenção aos responsáveis. De repente, uma criança é colocada por cima da metade da porta que está fechada. Foi tão rápido que só deu para ver uns braços depositando uma criança. Era Vanessa. Ela fica ali, parada... A professora estava de costas e não viu. Quando se volta fala: “Oi Vanessa, bom dia, coloca a sua mochila ali na bancada”. Logo em seguida ela vai colocar a mochila no lugar. (C11 – 17.10.05)

O acolhimento da professora tira a menina da paralisação. Naquela sala, ela tem um nome, tem um lugar para sua mochila, é confirmada pelo olhar e pela fala do adulto.
Ainda na mesma turma, Denise, a professora, está com as crianças na rodinha.
Entre uma música e outra acontecem umas conversas:
- (Letícia) “eu vou na piscina de biquine”.
- (Tatiana) “eu também vou”.
- (Denise) “Ah, é, Letícia, você foi ou vai na piscina?”
- (Letícia) ‘Eu fui”.
- (Denise) “E de que cor era o seu biquine?”
- (Letícia). “Era amarelo”.
- (Denise, achando graça) “Ih, tudo seu é amarelo”
- (Tatiana) “O meu é rosa”.
A essa altura as perninhas de chinês já se desmancharam, as crianças se esticam, mas Denise não está ligada nisso. Está mais ligada nas crianças. (C11 – 17.10.05)
A professora havia proposto algumas músicas que traduzem a rotina do dia: “Bom dia amiguinho, como vai” para dar bom dia aos amigos; “A janelinha abre”, para falar sobre como está o tempo hoje; “Sete dias a semana tem” para dizer que dia é hoje. Trata-se de um movimento que, em princípio, é monológico. As palavras e sentidos estão fechados, prontos, repetidos a cada dia com as crianças e por elas. No entanto, sempre que uma das crianças introduz um assunto, a professora presta atenção, levando em consideração o que a criança está trazendo. Nestes momentos, rompe-se o monologismo e a professora abre-se ao diálogo, à alteridade das crianças. No caso apresentado, elas trouxeram algo do cotidiano fora da escola. A professora incentiva a troca, fazendo perguntas sobre o assunto em questão.
A atenção a cada criança não está representada pelo conhecimento do que diz respeito a cada uma. Na C11, numa das turmas de crianças de dois anos, duas professoras, Viviane e Eliete, estão organizando o momento do sono.

Iago volta a chorar. Eliete pergunta sussurrando: “O que há Iago, que você não quer dormir?” Viviane vai até a mochila do Iago e volta dizendo: “Eu já sei o que ele quer, é o paninho”. “Não é isso que você quer”? Iago balança a cabeça consentindo, pega a toalhinha. Enquanto Viviane se preocupa com o sono, Eliete está estendendo as toalhas de banho nos encostos das cadeiras. Viviane vem ajudar. Depois de um tempinho Viviane olha para ver como vai o sono e vê que Iago ainda não dormiu. Não o repreende. Senta ao pé do colchonete e o faz ninar com o balanço das mãos no seu corpo. Agora Iago realmente dormiu... (C11 – 28.10.05)

O reconhecimento de que o menino tem um ritual para o seu sono mostra como as professoras interagem levando em conta a individualidade de cada um e como isso fez a diferença para Iago nesse momento. Não havia apenas a preocupação de que o menino dormisse, mas que ele estivesse tranqüilo no seu sono.
A mesma atenção se repete em uma turma de bebês na C13:

Leila segura Débora no colchão, dá um beijo e diz "esse macacão é seu? Vamos falar com sua mãe que está pequeno..." É comum que os bodies se transformem em blusinhas (desabotoados embaixo). "Está calor ein; lá fora está mais fresco". " Sara, Sarinha, que legal, você está com a sua fralda hoje, ein...". Nem sempre a mãe manda a fralda e as crianças têm que usar a da creche. (C13 - 02/05)

As duas cenas anteriores mostram os adultos envolvidos com as singularidades das crianças. A identificação e explicitação das necessidades de cada criança cria espaços de reconhecimento. Esse outro criança que está ao meu lado tem nome, tem preferências, tem objetos que o identificam. Esse movimento dos adultos em interação com as crianças é um processo dialógico que incide sobre a construção de uma identidade. A presença do adulto nomeando e dando significado às ações dos bebês, identificando seus pertences e interagindo através dos gestos e da palavra ajuda às crianças a construírem um conhecimento sobre si mesmas e sobre o mundo que as cerca.

Visibilidade: o adulto mediando a ação e as possibilidades de expressão das crianças

Em muitas situações cotidianas, o adulto mostra perceber a criança. Mesmo estando de longe, estende a sua presença e faz a criança perceber que está sendo vista, seja com a fala, seja com o próprio olhar.
As duas cenas que se seguem mostram o lugar do adulto na interação das crianças entre si e com eles mesmos. Primeiro a turma de crianças de um a dois anos na C11 e, depois, a turma de bebês na C13.

Os blocos gigantes estão espalhados pelo solário, no lado descoberto. Tem um bloco que é redondo, com um buraco no meio e cabe uma criança. Viviane se esconde dentro do buraco e a recreadora, de longe, percebe o movimento e pergunta: “Cadê a Viviane”? A menina continua lá dentro e a recreadora pergunta 3 vezes. José Venâncio se liga no que está acontecendo e sai para procurar a amiga, que nesse momento sai de dentro do buraco bem feliz.
Quando Viviane sai, Ingrid entra no buraco e sai repetidas vezes, como querendo chamar a atenção da recreadora, para que também pergunte o mesmo para ela. A recreadora repete: “Cadê a Ingrid?” A menina sai feliz de dentro do bloco, rindo da brincadeira.
(C11 – 10.04.06)

Bia está sentada em frente ao espelho. Ela começa a chorar, olhando na direção de Michele (a educadora); também vai tentando tombar-se para frente, como que querendo encostar a barriga no chão para arrastar-se. Michele diz "oi Bia.... o que foi? Você está querendo vir aqui, né? Estou escrevendo, não dá..." Depois de algum tempo, muda de posição e vai sentar ao lado da Bia , levando a cesta com agendas e continuando seu trabalho perto da menina que começa a escalá-la e explorar seu corpo, resoluta e sem choro. Michele tenta continuar a escrever, permitindo que Bia suba nela, vai contorcendo-se, escondendo a caneta, mas seu corpo dialoga com o corpo de Bia... (09/02)

O olhar atento do adulto descobre o movimento das crianças e, através do diálogo verbal e corporal cria elos. Embora em idades diferentes, as respostas das crianças, nas duas cenas se dá pelo movimento, pela expressão e pelo riso. Neste sentido, não só o adulto amplia essa relação discursiva, mas os movimentos das crianças tornam-se elos nessa cadeia discursiva que se instaura nas interações.
O tempo todo Denise (recreadora) está ligada nas crianças e nos seus movimentos, interagindo com elas. Letícia chega na janela da casinha e diz:
- “Tia, eu sou o moço”.
- (Denise) “Você é o moço?” (achando graça)
Letícia entra na casinha e volta dizendo:
- “Eu tenho bala”. (diz estendendo as mãos para Denise)
Denise sorri demonstrando entender que a brincadeira é de vender doces e pergunta:
- “Quanto é?”
- “É dez”.
- “Dez centavos? Hum, eu vou comprar”.
- “Tem pirulito. Um real”.
- “Nossa, que pirulito caro...vou pagar só vinte centavos’.
- “Ta bom!” (C11 – 17.10.05)

Letícia, de dois anos, demonstra conhecer valores monetários e a profissão. A brincadeira favorece e a recreadora se torna mediadora. Completa que é dez centavos, diz que um real é caro. A menina traz para a creche um conhecimento que adquiriu nas suas interações fora da creche.
A criança ocupando o lugar do outro que dá visibilidade ao grupo/ expressão das crianças
Uma das recreadoras está de costas, pegando algo no balcão. Em seguida, vira-se para as crianças e diz: “olha, um amiguinho veio visitar vocês hoje”. Fica de costas novamente e põe uma máscara de coelho, volta-se e começa a falar com as crianças como se fosse o coelho, com uma voz meio disfarçada: “olá crianças, tudo bem”.
As crianças parecem não entender nada e fazem cara de espanto e de choro. Uma menina chora. Depois Fernanda (a outra recreadora) tira a máscara da colega e diz: “Não precisa chorar, gente é a tia Rosana”. Fernanda pega a máscara e vai pondo no rosto das crianças, começa com Clarissa, uma boneca de pano que as recreadoras fizeram. As crianças estão paralisadas e as recreadoras ficam um tanto decepcionadas. Nesse instante, Ingrid que estava perto de mim, assistindo a cena, vai e pega a máscara, coloca na frente do seu rosto e imita a recreadora indo de criança em criança. Neste momento as crianças assimilam e começam a sorrir com a iniciativa da amiga. Agora fez sentido!
As recreadoras exclamam “Essa Ingrid é fogo!”, “Ela é demais!”
(C11 – 10.04.06)

A atitude da menina surpreende os adultos que não esperavam por isso. Ingrid, com um ano e oito meses, dá um novo significado à proposta quando imita a professora. Como indicado em Guimarães (2008), a imitação expande as possibilidades de cada um. Ao imitar a professora, a criança a reconhece e legitima, trazendo para si seus referenciais e reinterpretando-os a sua maneira.
Enfim, na relação entre adultos e crianças nas creches, é notório o movimento das crianças no sentido de fazerem-se presentes, comunicando desejos, desenvolvendo iniciativas. Que lugar de “outro” do adulto essas crianças representam? Essa reflexão é um desafio cotidiano. Nas duas creches, percebemos que há uma oscilação entre a abertura, escuta, distanciamento que permitem ao adulto ver a criança, e a mistura, a antecipação, o reconhecimento que tornam invisíveis os sentidos das crianças nas relações.

4 – Considerações Finais:

Hoje, a creche é um espaço social onde as crianças de 0 a 3 anos passam a maior parte dos seus dias, especialmente as que pertencem às camadas pobres. Isso exige a reflexão sobre a qualidade dos relacionamentos neste contexto, especialmente tendo em vista que é na relação com o outro que constituem identidade, valores, imagens e referências sobre si.
Portanto, é fundamental o lugar que o adulto ocupa na creche como mediador e fomentador das descobertas das crianças. A mediação dos adultos amplia as possibilidades delas. Entre a invisibilidade e a visibilidade, a criança constitui a possibilidade de autonomia, auto-estima e confiança em si. O olhar, a escuta, a abertura que os adultos apresentam em relação ao outro-criança potencializam esse caminho.

Referências bibliográficas

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_________________Obras escolhidas II: Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 2000.
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[1] BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II:Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 24.
[2] BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 4

terça-feira, 14 de julho de 2009

Contextos da alfabetização na aula(em construção)

Podemos dizer q é aceitável ao iniciar a educação infantil,que os meninos e meninas , tem conhecimentos sobre a linguagem escrita.Essa idéia vai contra à visão tradicional de que meninos e meninas são vistos como ignorantes,imaturos e necessitados de preparação antes de aprender.Daí,seguem as duas orientações teóricas que coincidem no rechaço dessa perspectiva tradicional.Temos então,a orientação construtivista , que defende o trabalho cognitivo de meninos e meninas realizado a partir de informações provenientes do ambiente familiar e social.E a orientação socioconstrutivista para a qual os conhecimentos iniciais como produto de um ambiente familiar estimulante e da presença de adultos sensíveis às demandas do menino e da menina e fazem parte da "alfabetização emergente".
Neste capítulo,apresentaremos uma ilustração de como considerar esses fatores , a fim de identificar as melhores práticas para a aprendizagem inicial da leitura e da escrita.

A informação e os conhecimentos iniciais na alfabetização :

Dado qua a informação não é algo externo ao contexto no qual os meninos e as meninas recebem informações e aprendem,podemos citar:
- Contexto de manipular e olhar os textos como livros,jornais,revistas,cartas e todo tipo de portadores de textos e também a sua relação entre ações e objetos.
- Contexto de observar essas mesmas ações junto com os adultos.
- Contexto de escutar a leitura em voz alta e de participar em intercâmbios verbais.
- Contexto da relação entre contexto e texto , podemos citar onde olhar no rótulo para localizar o nome de um produto,onde está escrito o nome com associação a um desenho.
- Contexto de escrever em "voz alta" ,ditando a um adulto.
- Contexto de perguntar e receber respostas dos adultos e de seus próprios companheiros.
- Contexto de imitar a leitura , produzir escritas ,antecipar o conteúdo de um conto , etc.
- Contexto de escrever por si mesmo textos longos que escutaram e memorizaram.
Ou seja,a informação provém da interação com os objetos escritos e com os leitores e escritores assim como das próprias ações do menino e da menina.Trata-se apenas de informação a partir do qual se elabora conhecimento devido à atividade cognitiva do menino e da menina.
A atividade cognitiva individual muitas vezes atenua a influência social.Onde podemos citar uma diferença entre a perspectiva de alfabetização emergente e a construtivista : para a primeira a situação dessa criança é de carência ; para a segunda , inclusive os filhos de pais analfabetos ou pouco letrados chegar à escola com certos conhecimentos ,já que, embora só possam contar com suas próprias ações e relações , e não disponham das oportunidades de escutar leitura de livros e de ter livros , também,são capazes de se fazer perguntas e de desenvolver idéias sobre a escrita.

Diferentes contextos de alfabetização na sala de aula:

Da relação entre ações e objetos
Em geral,interpreta-se que a atividade do usuário com respeito a um objeto escrito(livro,jornal,carta)fica reduzida à leitura do conteúdo do texto,sem considerar toda a diversidade de ações específicas possíveis ou de outras atividades compatíveis com eles.
Portanto,poderiam ser programados em sala de aula,ações com os suportes ,por exemplo,uma classificação dos mesmos em função das atividades específicas às quais podem dar lugar : os livros com ilustrações para olhar e ler,os dicionários para buscar e consultar,,as cartas para ler,etc.Também fazer circular as expressões lexicais que se utilizam para denominá-las : "buscar","folhear","assinalar","ler",etc.

domingo, 5 de julho de 2009

Crianças Exploradas

Menores vendem balas de madrugada enquanto mulheres adultas supervisionam sentadas em colchonetes
Publicada em 04/07/2009 às 19h21m
Taís Mendes
RIO - Bastam algumas horas na movimentada noite da Lapa para perceber um crime que passa ao largo das operações de ordem pública promovidas pela prefeitura: dezenas de crianças, entre 4 e 13 anos, vendem balas de bar em bar, numa jornada que chega a 12 horas diárias. Embaixo dos arcos, acomodadas em colchonetes e cadeiras, ficam mulheres adultas, supervisionando. De tempos em tempos, os pequenos vendedores vão ali prestar contas. A cada hora que passa fica mais difícil saber quantos menores são. Na sexta-feira, dia 26 de junho, repórteres do GLOBO contaram mais de 30 menores vendendo balas na Lapa. A maioria vem da Baixada Fluminense e diz que estuda regularmente:

- Nos fins de semana, trabalho para ajudar a minha mãe a comprar comida - explicou uma menina de 4 anos. Moradora de Gramacho, no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, ela trabalha ao lado do irmão, de 9 anos. Indagado sobre a mãe, ele foi rápido:

- Ela também vende bala para pagar o aluguel - afirmou, pouco antes de seguir na direção de um grupo de mulheres que estava debaixo dos Arcos da Lapa.

Um mapeamento feito pelo Conselho Tutelar do Centro atesta que cerca de 40 crianças trabalham na Lapa durante a noite e a madrugada. A conselheira Maria Regina da Silva conta que que a maioria das crianças é de aluguel: cada mulher chega a levar dez menores para trabalhar na Lapa. No máximo dois são seus filhos. Os outros são sobrinhos e filhos de vizinhos e de amigos.

sábado, 4 de julho de 2009

AS CLASSES HOSPITALARES COMO MODALIDADE DE INCLUSÃO

Autores: Tyara Carvalho de Oliveira (Pós Graduação- UGF/RJ)
Prof. Dra. Amélia Escotto do Amaral Ribeiro FEBF/UERJ

No contexto atual não cabe falar apenas de escola inclusiva, mas, sim, de sociedade inclusiva. Isto se justifica na medida em que a inclusão não se restringe apenas aos portadores de algum tipo de deficiência; estende-se a todos que, de alguma forma, precisam ser incluídos (minorias étnicas,....). No contexto brasileiro, observa-se que a escola, na maioria das vezes, estrutura-se predominantemente para atender ao aluno ideal. Como conseqüência, constrói-se no imaginário institucional e pedagógico protótipos do que seja esse “aluno ideal”, e os alunos passam a serem classificados em duas categorias, qualitativamente distintas: os ditos “normais” e os “anormais”. Romper com essa visão dualista é o primeiro desafio a ser enfrentado pelo professor. Um dado no mínimo curioso a ser acrescentado diz respeito ao desconhecimento por parte dos alunos do Curso de Pedagogia a respeito de algumas modalidades da Educação Inclusiva.
O atendimento pedagógico hospitalar, denominado Classe Hospitalar, é uma dessas modalidades “desconhecidas”. Vale destacar que os dados sobre as Classes Hospitalares são, ainda, de certa forma, incipientes. Grande parte das informações disponíveis devem-se às pesquisas desenvolvidas pela professora Eneida Simões da Fonseca e pelo professor Ricardo Ceccim. De acordo com tais pesquisas, o estar hospitalizado já caracteriza a criança e/ou adolescente como portador de necessidades especiais independentemente que essa necessidade seja temporária ou permanente. Assim, a classe hospitalar não inviabiliza os conceitos de integração e normalização. A criança e/ou adolescente é um cidadão que tem o direito ao atendimento de suas necessidades e interesses mesmo quando está doente. Em termos da prática pedagógica da classe hospitalar, esta implica interligações dos diversos aspectos de sua realidade (a criança, a patologia, os pais, os profissionais da saúde, o professor) com a realidade fora do hospital (Fonseca, 2003). Tal prática implica, inclusive, maior atenção dos Cursos de Formação de Professores quanto as possibilidades de atuação e formação que emergem das demandas mais amplas da sociedade. As demandas da sociedade transformam-se, necessariamente, em demandas de formação.