terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Brincadeiras...

Menino pode se comportar como menina? Até que ponto vai um menino como uma menina?

Uma corrente pedagógica defende a tese de que meninos e meninas devem ser criados de forma igual.

 O perigo é confundi-los acerca de sua sexualidade.
FERNANDA ALLEGRETTI


As filiais das lojas de brinquedos Toys"R"Us e BR Toys na Suécia trazem uma novidade em seus catálogos deste Natal. As fotos ilustrativas mostram meninas com  carrinhos e armas de mentira e meninos se divertindo com bonecas e utensílios domésticos, como aspirador de pó e ferro de passar roupas.
A troca de papéis nas fotos  foi feita sob a orientação da Swedish Advertising Ombudsman, uma das organizações que regulam a propaganda na Suécia. O órgão alega que, no ano passado, recebeu  muitas reclamações de consumidores dizendo que as campanhas dessas lojas eram muito conservadoras em relação aos papéis feminino e masculino. Por que argumentavam esses consumidores — manter velhos estereótipos ligados ao gênero das crianças ao escolher os brinquedos para elas? Esse tipo de raciocínio não é uma excentricidade restrita aos suecos. Ele faz parte de uma corrente pedagógica que vem se espalhando por outros países e que propõe uma educação de gênero neutro, ou seja, que não leve em consideração o sexo da criança. Os educadores e as famílias que defendem esse estilo de aprendizado afirmam que é preciso derrubar tradições como vestir meninos de azul e meninas de cor-de-rosa, e que se deve dar a eles liberdade para que escolham as roupas que vão usar — mesmo que sejam características do sexo oposto.
Segundo esse ponto de vista, não se deve influenciar a criança a adotar comportamentos que sempre foram vistos como típicos de seu sexo.
A educação de gênero neutro abriga um objetivo nobre que, para ser alcançado, exige práticas arriscadas. A ideia dos que advogam essa corrente pedagógica é eliminar de uma vez por todas os velhos padrões que põem a mulher como dona de casa e o homem como o macho provedor, a mulher como o ser delicado que atende às vontades masculinas e cuida da prole. A liberdade de escolha para inverter os papéis tradicionais, para quem segue essa corrente, é um exemplo positivo na educação dos filhos.
O risco dessa postura, alertam muitos especialistas, é confundir as crianças acerca de sua sexualidade, com consequências imprevisíveis. "Ampliar as possibilidades de aprendizado é uma ideia interessante, mas forçar a transição entre os universos masculino e feminino, não", diz a psicanalista paulista Ana Olmos, especializada em neuropsicologia infantil.
Um exemplo de comportamento inadequado que essa inversão de papéis patrocinada pelos pais pode provocar tornou-se público com o casal de atores americanos Angelina Jolie e Brad Pitt. Eles dizem criar sua filha Shiloh, hoje com 6 anos, dentro das normas da educação de gênero neutro. Angelina já foi vista comprando roupas de menino para Shiloh. Permite que a menina use gravata, sapatos masculinos e cortes de cabelo idem. A atriz costuma se desentender com a sogra, que insiste em presentear a neta com roupas femininas e fantasias de princesa. O resultado é que o lindo bebê que aparecia no colo de Angelina em seu primeiro ano de vida hoje surge nas fotos com a aparência masculinizada. Disse a VEJA a psicóloga americana Diane Ehrensaft, diretora do Centro de Saúde Mental e Gênero da Criança e do Adolescente, na Califórnia:
"É comum que as crianças brinquem com peças de roupa do sexo oposto, mas que os pais estimulem esse comportamento, isso definitivamente não é normal, muito menos saudável".
Até hoje a ciência não descobriu se a homossexualidade é inata ou adquirida no meio social, mas já se tem certeza de que toda criança nasce com predisposição a desenvolver características psicológicas do sexo a que pertence. A literatura médica está repleta de casos em que os pais tentaram dar outra orientação sexual aos filhos, com resultados lamentáveis. O caso recente mais conhecido é o do canadense David Reimer. Em 1966, antes de completar 1 ano, Reimer teve o pênis extirpado numa cirurgia de circuncisão desastrada. Seus pais cruzaram os Estados Unidos para consultar o psicólogo Jolin Money, na época considerado uma autoridade em diferenças entre os gêneros. Money aconselhou uma cirurgia de mudança de sexo, com a construção de uma vagina artificial seguida de um bombardeio de hormônios femininos. Na ocasião, Money tentava comprovar a teoria de que não eram as características físicas que determinavam o sexo, e sim a educação dada pela família. Os pais concordaram com a cirurgia e Reimer, rebatizado de Brenda, foi criado como uma menina. Logo se constatou o fracasso da empreitada. Aos 2 anos, Reimer rasgava seus vestidos com raiva. Recusava-se a brincar com bonecas. Mais tarde, na escola, sofria bullying por causa de seus trejeitos masculinos. Seus pais só lhe contaram sobre a cirurgia
de mudança de sexo aos 14 anos. Em 2004, aos 38 anos, Reimer se matou.
Não é de admirar que a Suécia seja o território onde a educação de gênero neutro melhor viceja. O país figura em quarto lugar no ranking do Fórum Econômico Mundial, que mede as diferenças entre os homens e as mulheres levando em conta o nível de remuneração e o acesso à saúde, à educação e a cargos políticos. O Brasil ocupa a 62ª posição nessa lista. "Os adultos precisam definitivamente mudar de mentalidade para que as crianças entendam que homens e mulheres têm a mesma capacidade e os mesmos direitos", diz a professora Hanna Grandert, de 33 anos, que mora em Estocolmo com o marido, Tobias Egge, de 43. O casal educa os quatro filhos, uma menina e três meninos, sem distinção de gênero. Hanna leciona na escola pública Egalia, fundada há dois anos e que segue a mesma linha pedagógica. Na Egalia, os alunos não são chamados pelo equivalente em sueco a "ele" e "ela", mas pelo pronome neutro hen. Dificilmente se veria algo semelhante no Brasil. Diz Laez Fonseca, assessor pedagógico do Colégio São Luís, de São Paulo: "Hoje as escolas são mistas, e nelas se procura eliminar os aspectos culturais machistas. Mas é preciso considerar que homens e mulheres são biologicamente diferentes".

Revista VEJA - 19/dezembro/2012

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