Menino pode se comportar como menina? Até que ponto vai um
menino como uma menina?
Uma corrente pedagógica defende a tese de que meninos e meninas devem ser criados de forma igual.
Uma corrente pedagógica defende a tese de que meninos e meninas devem ser criados de forma igual.
O perigo é confundi-los acerca de sua sexualidade.
FERNANDA ALLEGRETTI
As filiais das lojas de brinquedos Toys"R"Us e BR Toys na Suécia trazem uma novidade em seus catálogos deste Natal. As fotos ilustrativas mostram meninas com carrinhos e armas de mentira e meninos se divertindo com bonecas e utensílios domésticos, como aspirador de pó e ferro de passar roupas.
FERNANDA ALLEGRETTI
As filiais das lojas de brinquedos Toys"R"Us e BR Toys na Suécia trazem uma novidade em seus catálogos deste Natal. As fotos ilustrativas mostram meninas com carrinhos e armas de mentira e meninos se divertindo com bonecas e utensílios domésticos, como aspirador de pó e ferro de passar roupas.
A troca de papéis nas fotos foi feita sob
a orientação da Swedish Advertising Ombudsman, uma das organizações que regulam
a propaganda na Suécia. O órgão alega que, no ano passado, recebeu muitas
reclamações de consumidores dizendo que as campanhas dessas lojas eram muito
conservadoras em relação aos papéis feminino e masculino. Por que argumentavam
esses consumidores — manter velhos estereótipos ligados ao gênero das crianças
ao escolher os brinquedos para elas? Esse tipo de raciocínio não é uma
excentricidade restrita aos suecos. Ele faz parte de uma corrente pedagógica
que vem se espalhando por outros países e que propõe uma educação de gênero
neutro, ou seja, que não leve em consideração o sexo da criança. Os educadores
e as famílias que defendem esse estilo de aprendizado afirmam que é preciso
derrubar tradições como vestir meninos de azul e meninas de cor-de-rosa, e que
se deve dar a eles liberdade para que escolham as roupas que vão usar — mesmo
que sejam características do sexo oposto.
Segundo esse ponto de vista, não se deve
influenciar a criança a adotar comportamentos que sempre foram vistos como
típicos de seu sexo.
A educação de gênero neutro abriga um objetivo nobre que, para ser alcançado, exige práticas arriscadas. A ideia dos que advogam essa corrente pedagógica é eliminar de uma vez por todas os velhos padrões que põem a mulher como dona de casa e o homem como o macho provedor, a mulher como o ser delicado que atende às vontades masculinas e cuida da prole. A liberdade de escolha para inverter os papéis tradicionais, para quem segue essa corrente, é um exemplo positivo na educação dos filhos.
A educação de gênero neutro abriga um objetivo nobre que, para ser alcançado, exige práticas arriscadas. A ideia dos que advogam essa corrente pedagógica é eliminar de uma vez por todas os velhos padrões que põem a mulher como dona de casa e o homem como o macho provedor, a mulher como o ser delicado que atende às vontades masculinas e cuida da prole. A liberdade de escolha para inverter os papéis tradicionais, para quem segue essa corrente, é um exemplo positivo na educação dos filhos.
O risco dessa postura, alertam muitos
especialistas, é confundir as crianças acerca de sua sexualidade, com consequências
imprevisíveis. "Ampliar as possibilidades de aprendizado é uma ideia
interessante, mas forçar a transição entre os universos masculino e feminino,
não", diz a psicanalista paulista Ana Olmos, especializada em
neuropsicologia infantil.
Um exemplo de comportamento inadequado que essa
inversão de papéis patrocinada pelos pais pode provocar tornou-se público com o
casal de atores americanos Angelina Jolie e Brad Pitt. Eles dizem criar sua
filha Shiloh, hoje com 6 anos, dentro das normas da educação de gênero neutro.
Angelina já foi vista comprando roupas de menino para Shiloh. Permite que a
menina use gravata, sapatos masculinos e cortes de cabelo idem. A atriz costuma
se desentender com a sogra, que insiste em presentear a neta com roupas femininas
e fantasias de princesa. O resultado é que o lindo bebê que aparecia no colo de
Angelina em seu primeiro ano de vida hoje surge nas fotos com a aparência
masculinizada. Disse a VEJA a psicóloga americana Diane Ehrensaft, diretora do
Centro de Saúde Mental e Gênero da Criança e do Adolescente, na Califórnia:
"É comum que as crianças brinquem com peças de roupa do sexo oposto, mas que os pais estimulem esse comportamento, isso definitivamente não é normal, muito menos saudável".
"É comum que as crianças brinquem com peças de roupa do sexo oposto, mas que os pais estimulem esse comportamento, isso definitivamente não é normal, muito menos saudável".
Até hoje a ciência não descobriu se a
homossexualidade é inata ou adquirida no meio social, mas já se tem certeza de
que toda criança nasce com predisposição a desenvolver características
psicológicas do sexo a que pertence. A literatura médica está repleta de casos
em que os pais tentaram dar outra orientação sexual aos filhos, com resultados
lamentáveis. O caso recente mais conhecido é o do canadense David Reimer. Em
1966, antes de completar 1 ano, Reimer teve o pênis extirpado numa cirurgia de
circuncisão desastrada. Seus pais cruzaram os Estados Unidos para consultar o
psicólogo Jolin Money, na época considerado uma autoridade em diferenças entre
os gêneros. Money aconselhou uma cirurgia de mudança de sexo, com a construção
de uma vagina artificial seguida de um bombardeio de hormônios femininos. Na
ocasião, Money tentava comprovar a teoria de que não eram as características
físicas que determinavam o sexo, e sim a educação dada pela família. Os pais
concordaram com a cirurgia e Reimer, rebatizado de Brenda, foi criado como uma
menina. Logo se constatou o fracasso da empreitada. Aos 2 anos, Reimer rasgava
seus vestidos com raiva. Recusava-se a brincar com bonecas. Mais tarde, na
escola, sofria bullying por causa de seus trejeitos masculinos. Seus pais só
lhe contaram sobre a cirurgia
de mudança de sexo aos 14 anos. Em 2004, aos 38 anos, Reimer se matou.
de mudança de sexo aos 14 anos. Em 2004, aos 38 anos, Reimer se matou.
Não
é de admirar que a Suécia seja o território onde a educação de gênero neutro
melhor viceja. O país figura em quarto lugar no ranking do Fórum Econômico
Mundial, que mede as diferenças entre os homens e as mulheres levando em conta
o nível de remuneração e o acesso à saúde, à educação e a cargos políticos. O
Brasil ocupa a 62ª posição nessa lista. "Os adultos precisam
definitivamente mudar de mentalidade para que as crianças entendam que homens e
mulheres têm a mesma capacidade e os mesmos direitos", diz a professora
Hanna Grandert, de 33 anos, que mora em Estocolmo com o marido, Tobias Egge, de
43. O casal educa os quatro filhos, uma menina e três meninos, sem distinção de
gênero. Hanna leciona na escola pública Egalia, fundada há dois anos e que
segue a mesma linha pedagógica. Na Egalia, os alunos não são chamados pelo
equivalente em sueco a "ele" e "ela", mas pelo pronome
neutro hen. Dificilmente se veria algo semelhante no Brasil. Diz Laez Fonseca,
assessor pedagógico do Colégio São Luís, de São Paulo: "Hoje as escolas
são mistas, e nelas se procura eliminar os aspectos culturais machistas. Mas é
preciso considerar que homens e mulheres são biologicamente diferentes".
Revista VEJA - 19/dezembro/2012
Revista VEJA - 19/dezembro/2012
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